Corais em risco

O primeiro ponto de não retorno climático já foi ultrapassado

Autor
Observatório Sistema Fiep - 03/11/2025

Em um minuto:

  • O planeta ultrapassou recentemente seu primeiro ponto de não retorno climático: o colapso dos corais tropicais, ecossistemas que suportam um quarto da vida marinha e garantem o sustento de cerca de 1 bilhão de pessoas. Mesmo com o aquecimento global limitado a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, a degradação dos corais de águas quentes pode ser irreversível.
  • O impacto é visível também no Brasil: ondas de calor marinhas entre 2023 e 2024 causaram branqueamento em cerca de 36% das áreas monitoradas, com perdas de até 90% da cobertura de corais em regiões como Maragogi (AL) e São José da Coroa Grande (PE). No país, esses ecossistemas geram R$ 167 bilhões por ano em serviços como turismo, pesca e proteção costeira.
  • O colapso dos corais é um alerta para o futuro climático: outros sistemas vitais, como a Amazônia, as calotas polares e as correntes oceânicas, também se aproximam de pontos críticos. Cientistas defendem cortes nas emissões de gases de efeito estufa e ações coordenadas para reduzir o aquecimento abaixo de 1,5 °C e evitar transformações irreversíveis nos ecossistemas da Terra.

O planeta acaba de cruzar uma fronteira crítica. Segundo o relatório “Global Tipping Points 2025”, divulgado em 13 de outubro, a Terra pode ter ultrapassado seu primeiro ponto de não retorno climático: o colapso dos corais de águas tropicais em função do aquecimento da água dos oceanos.

Esses ecossistemas de corais, que sustentam um quarto de todas as espécies marinhas e garantem alimento, renda e proteção para cerca de um bilhão de pessoas, estão em declínio. Mesmo que o aquecimento global seja estabilizado em 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, meta do Acordo de Paris , as projeções sugerem que a degradação dos recifes pode ser praticamente irreversível.

 

O que são os pontos de não retorno

Um ponto de não retorno ocorre quando um sistema natural ultrapassa um limite e começa a mudar de forma autônoma, sem possibilidade de reversão. É como empurrar uma bola montanha abaixo: depois de certo ponto, não há força capaz de pará-la. Para os ecossistemas, exceder um ponto de não retorno acarreta transformações profundas e autoalimentadas, como o derretimento das calotas polares, o colapso de correntes oceânicas ou a transição da Amazônia para uma savana. Além disso, muitos desses sistemas estão interligados e, por isso, a superação de um ponto crítico pode acelerar o atingimento de outros, resultando em uma reação em cadeia difícil de conter.

 

O branqueamento dos corais: sinal de alerta

Os corais dependem de uma parceria simbiótica com algas microscópicas. Quando a temperatura da água sobe além do limite tolerável, essas algas são expulsas, privando os corais de nutrientes e da cor, processo chamado branqueamento. Se a temperatura permanece elevada por longos períodos, o coral pode acabar morrendo.

Desde 2023, os recifes de coral de águas quentes vêm enfrentando os piores episódios de branqueamento já registrados. Segundo o relatório “Global Tipping Points 2025”, o planeta já ultrapassou o limite térmico central de aquecimento desses ecossistemas, que é de cerca de 1,2 °C acima dos níveis pré-industriais. Em 2024, a temperatura global excedeu a faixa crítica de 1,5 °C, ponto em que há mais de 99% de probabilidade de colapso total dos corais tropicais.

Esse cenário também se reflete no Brasil. Os recifes brasileiros, que geram até R$ 167 bilhões por ano em serviços ecossistêmicos, como proteção da costa, turismo e pesca, vêm sofrendo as consequências do aquecimento dos mares e oceanos. A onda de calor marinha de 2023 e 2024, por exemplo, considerada uma das mais intensas da história, deixou cicatrizes nesses ecossistemas, sendo o Nordeste a região mais afetada: em Maragogi (AL), quase 90% da cobertura de corais foi dizimada pelo excesso de calor; em São José da Coroa Grande (PE), mais da metade dos corais morreu. O branqueamento massivo atingiu cerca de 36% das áreas monitoradas, afetando diversas espécies e evidenciando que os impactos globais da crise climática estão provocando transformações nos ecossistemas costeiros do país.

 

O que o colapso dos corais revela sobre o futuro climático

O declínio dos corais pode ser considerado um aviso sobre o rumo do sistema climático da Terra. Se já ultrapassamos um ponto de não retorno, outros podem estar próximos, como o colapso da Circulação Meridional do Atlântico (AMOC, da sigla em inglês), o degelo das calotas polares e a degradação da Floresta Amazônica.

O enfraquecimento da AMOC, por exemplo, poderia interromper monções na África e na Ásia, submeter a Europa a uma nova era glacial e ameaçar a segurança alimentar global. Por sua vez, a combinação de seca extrema e desmatamento pode empurrar a Amazônia para uma transição irreversível, liberando grandes volumes de carbono para a atmosfera e amplificando o aquecimento global.

 

Embora desafiadores, ainda há caminhos possíveis

Os autores do estudo “Global Tipping Points 2025”, 160 cientistas de mais de 20 países, recomendam ações para conter o avanço da emergência climática: redução das emissões de gases de efeito estufa, remoção em larga escala de carbono e incentivo a “pontos de inflexão positivos”, como a adoção em massa de tecnologias limpas e mudanças de comportamento para garantir atitudes mais sustentáveis. Ainda segundo o documento, preservar o que resta dos recifes de coral e evitar novos colapsos exige limitar o aquecimento global em até 1,2 °C em relação aos níveis pré-industriais. Também é necessário minimizar estressores locais, como a poluição e a sobrepesca, e investir no manejo integrado dos ecossistemas.

Apesar das soluções disponíveis, o desafio ainda é grande. Segundo relatório divulgado em 28 de outubro pela Convenção do Clima da ONU (UNFCCC), as novas metas climáticas nacionais (NDCs) devem, de fato, levar à redução nas emissões globais de gases de efeito estufa ao longo da próxima década. Ainda assim, o ritmo é inferior ao necessário para conter o aquecimento global em 1,5°C, como estabelecido no Acordo de Paris. De acordo com o documento, as emissões devem cair 10% até 2035, em comparação com os níveis de 2019, quando o corte necessário seria de 60%.

O branqueamento dos corais e a aproximação de outros pontos de não retorno representam, portanto, mais do que desafios ambientais isolados. São sinais de que a Terra está entrando em um novo estado, mais quente, instável e menos favorável à vida como a conhecemos. Esses fenômenos revelam os limites do nosso sistema climático e deixam claro que a janela de ação para evitar transformações irreversíveis está se fechando rapidamente. Enfrentar essa realidade exige compromisso global, políticas ambiciosas e cooperação entre ciência, governos e sociedade para restaurar a saúde e o equilíbrio dos ecossistemas.

 

Para mais conteúdo relacionado às mudanças climáticas, acesse o Painel de Indicadores de Mudanças Climáticas de Curitiba neste link.

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Para citar este artigo:

OBSERVATÓRIO SISTEMA FIEP/PAINEL DE INDICADORES DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE CURITIBA (PIMCC). Corais em risco - O primeiro ponto de não retorno climático já foi ultrapassado. Disponível em: https://paineldemudancasclimaticas.org.br/noticia/corais-colapso-nao-retorno. Acesso em: dd/mm/aaaa.

 

#MudançasClimáticas #ClimateChange #RecifesDeCorais #CoraisDoBrasil #ConservaçãoMarinha #CoralReefs

 

Fontes consultadas

CLIMA INFO. Com poucas metas climáticas, relatório da ONU para a COP30 é inconclusivo. Disponível em: https://climainfo.org.br/2025/10/28/com-poucas-metas-climaticas-relatorio-da-onu-para-a-cop30-e-inconclusivo/. Acesso em: 29 out. 2025.

ESCOBAR, H./JORNAL DA USP. Onda de calor de 2024 dizimou corais no Nordeste, mas não em outras regiões do Brasil. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/onda-de-calor-de-2024-dizimou-corais-no-nordeste-mas-nao-em-outras-regioes-do-brasil/. Acesso em: 29 out. 2025.

G1. O que são os 'pontos de não retorno' e por que eles colocam o planeta em risco? Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-30/noticia/2025/08/07/o-que-sao-os-pontos-de-nao-retorno-e-por-que-eles-colocam-o-planeta-em-risco.ghtml. Acesso em: 29 out. 2025.

GLOBAL TIPPING POINTS. The Global Tipping Points Report 2025. Disponível em: https://global-tipping-points.org/. Acesso em: 28 out. 2025.

NEVES, E./VEJA. Colapso dos recifes marca primeiro ponto de não retorno do clima, alerta relatório global. Disponível em: https://veja.abril.com.br/agenda-verde/colapso-dos-recifes-marca-primeiro-ponto-de-nao-retorno-do-clima-alerta-relatorio-global/. Acesso em: 28 out. 2025.

PHILLIPS, A. A./THE CONVERSATION. Pontos de inflexão do clima soam assustadores, mas ainda há espaço para otimismo. Disponível em: https://theconversation.com/pontos-de-inflexao-do-clima-soam-assustadores-mas-ainda-ha-espaco-para-otimismo-267411. Acesso em: 28 out. 2025.

PINOTTI, F./CNN BRASIL. Com morte de corais, mundo ultrapassa 1º ponto de não-retorno climático. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/com-morte-de-corais-mundo-ultrapassa-1o-ponto-de-nao-retorno-climatico/. Acesso em: 28 out. 2025.


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